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    A TOMADA DE LA SERRA: 70 ANOS*

    Há setenta anos um pelotão do Regimento Sampaio escreveu, nos campos de batalha da Itália, páginas gloriosas da história da Força Expedicionária Brasileira. Seu comandante era o primeiro-tenente da reserva convocado Apollo Miguel Rezk.

    Apollo nasceu no Rio de Janeiro em 09 de fevereiro de 1918. Era filho de imigrantes: pai libanês e mãe síria. Fez seus estudos no Colégio Pedro II. Em 1935 tentou, sem êxito, entrar para a Escola Militar do Realengo. Seus pés planos e uma reprovação em Física impediram a realização do sonho de ingressar na carreira militar.

    A idade de prestação do serviço militar obrigatório conduziu o jovem Apollo ao CPOR do Rio de Janeiro. Aprovado nos exames médico, físico e intelectual, após os três anos do curso do CPOR foi declarado Aspirante a Oficial da Reserva e classificado em 10º lugar entre os setenta concludentes da Arma de Infantaria, turma de 1939.

    Em 1940 formou-se Perito-Contador na Escola Superior de Comércio do Rio de Janeiro. No ano seguinte foi convocado para realizar o Estágio de Instrução no Regimento Sampaio, promovido a segundo-tenente e desligado do serviço ativo do Exército. Em 1942 foi convocado para o Estágio de Serviço, novamente no Regimento Sampaio. Estudioso, concluiu em 1943 o bacharelado em Ciências Econômicas na Faculdade de Administração e Finanças da Escola de Comércio do Rio de Janeiro. Ainda nesse ano foi promovido a primeiro-tenente e convocado para a Força Expedicionária Brasileira, em fase de formação e adestramento.

    O tenente Apollo embarcou para a Itália como oficial subalterno, comandante de pelotão da 6ª Companhia do II Batalhão do Regimento Sampaio. O 2º escalão da FEB seguiu para o Teatro de Operações no navio transporte de tropas americano “U.S. General W. A. Mann”, que partiu do armazém nº 11 do porto do Rio de Janeiro em 22 de setembro de 1944, ancorando em Nápoles no dia 06 de outubro.
    Na noite de 23 e madruga da de 24 de fevereiro de 1945, atuando em apoio à 10ª Divisão de Montanha americana no ataque a La Serra, o pelotão comandado pelo tenente Apollo, após ultrapassar um extenso campo minado, atacou as posições fortificadas alemães. Apesar do intenso fogo inimigo, o pelotão Apollo cercou o objetivo, investiu contra a posição e pôs em fuga os alemães, fazendo cinco prisioneiros. Ferido em combate por volta das 23 horas, o tenente Apollo, cercado e contra-atacado, manteve a posição durante toda a madrugada e manhã do dia 24. Por esta missão foi condecorado pelo governo americano, em 19 de maio de 1945, com a “Distinguished-Service Cross”, único brasileiro agraciado com essa importante medalha de bravura:

    ...por heroísmo extraordinário...a despeito de campos de minas desconhecidos, terreno excessivamente difícil e forte oposição, o primeiro-tenente Rezk conduziu galhardamente os seus homens através de uma cortina de fogo de metralhadoras, morteiros e artilharia, para assaltar e arrebatar o objetivo do inimigo. Embora gravemente ferido quando dirigia o ataque, o primeiro-tenente Rezk nunca hesitou: pelo contrário, continuou firmemente o avanço...repeliu três fortes contra-ataques, infligindo pesadas perdas aos alemães pela sua habilidade na condução do tiro. Depois, embora em posição vulnerável ao fogo das casamatas do inimigo circundantes e a despeito das bombas que caiam e da gravidade dos seus ferimentos, o primeiro-tenente Rezk defendeu resolutamente La Serra contra todas as tentativas fanáticas dos alemães para retomar a posição. Pelo seu heroísmo, comando inspirado e persistente coragem, o primeiro-tenente Rezk praticou feitos que refletem as mais altas tradições do serviço militar.” (tradução de trechos do documento original em inglês feita pela Seção Especial do Comando da FEB).



    O comandante da FEB, General João Baptista Mascarenhas de Moraes, em Citação de Combate de 09 de abril de 1945, assim se manifestou quanto às ações do tenente Apollo na conquista de La Serra:

    “ ... a personalidade forte, o espírito de sacrifício, a combatividade, a tenacidade, o destemor do tenente Apollo constituem belos exemplos, dignos da tropa brasileira.”

    Anteriormente, graças ao seu desempenho no ataque a Monte Castelo em 12 de dezembro de 1944, o tenente Apollo já havia sido agraciado pelos Estados Unidos com a medalha “Silver Star”. Terminada a Campanha da Itália, o tenente Apollo recebeu quatro condecorações brasileiras: Cruz de Combate de 1ª Classe, Medalha de Sangue, Medalha de Campanha e Medalha de Guerra.


    Quando da promoção do tenente Apollo ao posto de capitão, em 03 de setembro de 1951, assim se expressou o Ministro da Guerra no despacho em que deferiu a proposta:

    “Deferido. A promoção se justifica, sobretudo, em virtude da conduta excepcional desse Oficial no Teatro de Operações da Itália, onde, entre diversas condecorações recebidas por bravura, lhe foi conferida a medalha “Distinguished-Service Cross” do Exército Americano, por heroísmo extraordinário em ação, distinção máxima somente concedida a este combatente brasileiro...”

    O destino, que no passado não permitira ao jovem Apollo a realização do sonho de ingressar na carreira militar através Escola do Realengo, ainda haveria de, novamente, pregar-lhe outra uma peça. A tão sonhada carreira, que finalmente lhe chegara não pela via da Escola Militar, mas através do CPOR e da própria guerra, como também, e principalmente, por sua bravura e eficácia no cumprimento do dever, seria interrompida precocemente. Seus pés planos não resistiram ao esforço do combate e ao congelamento nas trincheiras da Itália. O capitão Apollo, em 12 de dezembro de 1957, aos 39 anos, depois de vinte anos no exército, foi julgado inapto para o serviço ativo e reformado no posto de major.

    Conheci o nosso herói já no ocaso de sua vida. Era um bravo. Foram muitos sábados e domingos de intermináveis conversas. Jamais o major Apollo admitiu o seu heroísmo. Pessoa simples, culta e educada era, sobretudo, um gentleman. Absorvi, voraz e intensamente, cada relato de suas ações na guerra. O exército era realmente a sua paixão. E a Pátria, o seu bem maior. Ficamos amigos, o que me enche de orgulho e gratidão.

    A nação, na tristeza daquele 21 de janeiro de 1999, perdeu um filho exemplar. E o exército viu partir um de seus grandes guerreiros. A filha Nádia comunicou-me o falecimento do pai pela manhã, bem cedo. Desloquei-me rapidamente para a sede do Conselho Nacional de Oficiais da Reserva, no quartel do CPOR/RJ, de onde fiz os contatos relativos ao passamento do major Apollo. Enviei um necrológio aos jornais, avisei ao CeComSEx, aos comandantes do Regimento Sampaio e do Batalhão de Guardas - onde ele servira no após guerra - bem como à embaixada dos Estados Unidos, já que era ele detentor de duas condecorações americanas. Informei, também, à comunicação social da presidência da república e aos governos estadual e municipal do Rio de Janeiro.

    O sepultamento foi no cemitério do Caju. Presentes, familiares, ex-combatentes da FEB e amigos do nosso herói, bem como quase uma centena de oficiais R/2. Um pelotão do Regimento Sampaio executou as honras fúnebres. O governo americano enviou, de Brasília, um oficial superior, fardado, para representá-lo. Os governos federal, estadual e municipal não enviaram representantes, nem formularam condolências à família enlutada. Jamais esquecerei o constrangimento que senti ao ouvir o oficial americano dizer aos filhos do major Apollo:

    “Eu não entendo vocês brasileiros. Na minha terra, alguém com as importantes condecorações de guerra do major Apollo, teria recebido, ao longo de sua vida, as homenagens, o respeito e a gratidão do seu povo.”


    Na tristeza daquele momento, assumi, intimamente, o compromisso - como missão - de divulgar a história do major Apollo. Nesses dezesseis anos desde o seu falecimento, tenho viajado pelo nosso país ministrando palestras - nos meios militar e civil - relatando os seus atos de bravura e heroísmo. O meu livro “O Resgate do Tenente Apollo”, escrito em parceria com o tenente Orlando Frizanco, já está na 2ª edição. O Conselho Nacional de Oficiais da Reserva criou a Medalha Major Apollo Miguel Rezk, para homenagear personalidades que se destaquem no apoio aos oficiais da reserva.

    Um dos desejos não realizados do herói era ser promovido a tenente-coronel, a exemplo de alguns de seus companheiros que obtiveram a promoção por via judicial. Quem sabe o Exército Brasileiro, ou mesmo o Congresso Nacional, lhe concedam, ainda que tardiamente, essa honraria, como derradeira homenagem póstuma, já que em vida não logrou recebê-la sob a forma de promoção por bravura, o que teria sido, inquestionavelmente, um ato de inteira justiça.


    Os feitos do tenente Apollo ultrapassaram os limites de sua existência física. Na verdade, já não mais lhe pertenciam quando, naquela madrugada de 21 de janeiro de 1999 foi vencido pelo inexorável. São episódios gloriosos da história militar de um país que teima em não cultuar seus heróis.

    A Força Expedicionária Brasileira - e seus bravos - não pode ser esquecida. Ela simboliza a pujança e o valor de um povo. A nação lhes deve eterno respeito e imorredoura gratidão.
    Rio de Janeiro, 23 de fevereiro de 2015
    Sérgio Pinto Monteiro - 2º Ten R/2 Art
    Presidente do Sistema CNOR
    *o autor é historiador, membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil e da Academia Brasileira de Defesa. É Diretor de Cultura e Civismo da Associação Nacional dos Veteranos da FEB e Vice-presidente do Conselho Deliberativo.

     


    Última atualização (Dom, 22 de Fevereiro de 2015 21:20)

     
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